Decidi escrever sobre o que aconteceu.
É apenas um relato.
Peço abertura em seu coração para ler tudo sem qualquer tipo de julgamento, seja bom ou ruim.
Aqui escreve uma mãe com o coração ferido.
A minha experiência de perda gestacional é mais uma dentre várias que já li.
Não é melhor, nem pior. As decisões não foram as mais certas, nem as mais erradas. Apenas aquelas que nos cabiam de acordo com a nossa história.
Do outro lado do computador há um coração que pulsa, assim como o seu.
Sou solidária a todas as mães, pais, familiares e profissionais que passam pela mesma dor que nós.
Um abraço fraterno,
Carol
23/10/2015
23/10/2015
A MORTE
Já li tantas mensagens de mães
que perderam seus bebês. Às vezes é difícil acreditar que essa seja a minha
realidade, mas acredito que talvez eu possa ajudar outras famílias
compartilhando o meu relato. Se você está passando por isso, saiba que não está
só!
E que tem todo o direito de
sofrer. Apenas não se culpe pelo que aconteceu. Se está lendo esse texto, é
porque não queria que seu bebê morresse.
A gestação da Helena foi
perfeita. Iluminada. Cheia de amor.
Amor da mãe, do pai, e do irmão
de 7 anos que aguardava ansioso a sua chegada.
Contratamos profissionais que
realizassem parto humanizado, para que Helena fosse recebida nesse mundo com
bastante respeito. Para que o nosso momento de encontro fosse preservado de
intervenções desnecessárias. E para que pudéssemos viver a plenitude do seu nascimento,
o que não foi possível com nosso primeiro filho (H.).
Participamos de encontros de
gestantes. As consultas médicas duravam mais de uma hora, sempre com a
participação do meu marido (L.), e
os exames eram prontamente realizados por mim.
Caminhei, meditei, fiz
hidroginástica. Continuei minha terapia, alimentei-me da forma mais saudável
e... Fui extremamente feliz durante meus nove meses de gestação.
Nós três estávamos profundamente
gratos pela bênção de termos uma menininha entre nós! Helena foi muito amada e
querida desde o início.
Às 39 semanas de gestação (podendo
também ser 38, pela DUM) fomos à consulta de rotina semanal. Havia ansiedade, pois sentíamos que a chegada
estava próxima.
Foi assim que nossa obstetra (Dra. S.) nos recebeu: “Acordei sentindo que ela vem essa semana!”.
Brinquei cutucando o bumbum da Helena e rimos bastante dela se mexendo. Ouvimos
seu coração. Voltamos felizes para casa!
Dormi um pouco à tarde e acordei
com fome. Ela se mexia bastante quando meu estômago roncava. “Ri por dentro”,
refletindo que certamente ouvia bem já que estava tão incomodada com os
barulhos!
Fiz um lanche, ainda sentindo se
mexer...
Essa é a última recordação que
tenho dos seus movimentos.
Cuidei do jantar, do meu filho, fiquei
com o L.. Tomei banho para dormir e,
ao me deitar, o “silêncio”.
A G. (enfermeira da equipe) foi até nossa casa com o sonar e não
conseguimos ouvir o coração da Helena. Fomos ao Hospital e o óbito foi
confirmado por exame e ultrassom.
Não chorei quando o médico,
sensibilizado, disse que infelizmente Helena não estava viva. E que pelo exame
o líquido amniótico, placenta, tamanho e peso do bebê estavam perfeitos para a
idade gestacional.
Como consegui não chorar,
arrancar os cabelos ou gritar é um mistério para mim. Dispensei até a cadeira
de rodas que uma assistente me ofereceu. Creio do fundo da minha alma que
tinham muitos anjos me envolvendo em amor e serenidade.
As perguntas que me fazia: como
terei minha filha morta? Como enfrentarei os medos de uma cirurgia se não havia
nem a recompensa de pegá-la viva nos braços? Um parto normal, para mim, estava
fora de cogitação.
A DECISÃO PELO TRABALHO DE PARTO
Eu e meu marido voltamos para
casa junto com a G.. Já era
madrugada do dia 11/08. Curiosamente a data de nascimento do meu irmão caçula,
que morreu em um acidente fatal de moto no dia 08/03/2013. Apenas cito essa
coincidência porque intensificou um pouquinho mais a minha dor. Uma data
duplamente marcada.
Já em casa, a Dra. S. chegou e nos abraçou. A M. ( nossa doula) foi quem ficou com o H. que dormia alheio à morte da
irmã.
Todos tristes pelo inacreditável.
O que poderia ter ocorrido, quando tudo estava perfeito há menos de 24 horas
atrás?
Nossa médica esclareceu que, se
eu desejasse, poderíamos induzir o trabalho de parto. Para eu poder pegar minha
filha no colo e elaborar melhor a perda. Poderia ir ao seu enterro, já que não
precisaria ficar em observação pós-cirúrgica. Nós nos despediríamos dela da
maneira que todos mereciam. O parto natural estava descartado pelo óbito*, mas achei
uma boa opção induzir e utilizar a analgesia quando as dores se
intensificassem.
Uma das certezas que tinha é que
poderia confiar totalmente na equipe que havíamos contratado. No Plano de Parto
deixei claro que me colocava nas mãos dessas profissionais incríveis que
encontramos. E eu estava certa...
Difícil passar a noite em claro
com fantasmas povoando a minha mente.
Foi triste deixarmos o H. na escola e ele, todo contente,
voltar para o carro porque havia esquecido de dar o beijinho de despedida na
irmã. O último beijo dele na barriga.
Não contaríamos nada até tudo ter
passado.
Fomos à casa dos meus pais.
Ficaram extremamente tristes. Minha mãe chorou e me abraçou. Mas já iniciaram,
junto com meu irmão, as questões práticas que deveriam ser resolvidas: enterro,
cartório, e também comunicar às pessoas mais próximas.
Ao voltar para casa, tomei banho
e as lágrimas vieram. O último banho com Helena. Cantei a nossa canção... Minha querida filha, tão amada e acarinhada, já tinha ido embora
mas permanecia em meu corpo.
Ouvi o L. chorar. Havia silêncio e dor entre nós. Não tinha consolo, mas
estávamos juntos.
Ao sair, lembrei de pegar o
meu terço. Um alento para momentos tão difíceis.
Passamos no consultório da minha
terapeuta, uma pessoa especial que acompanhou toda a gravidez. Lembro-me do L. falar, quando chamado na sala: “Ela
era minha princesinha...”. A voz embargada de amor.
Internamos à noite.
Já tínhamos programado induzir o
trabalho de parto mas eu estava muito cansada pela noite em claro, e todas as
emoções que havíamos sentido. Decidimos dormir e começar o procedimento pela
manhã.
Rezei o terço... Às vezes eu me
esquecia das orações. Pedi força e serenidade. Finalmente consegui dormir um
sono pesado, mas restaurador.
ONDAS DE DOR E DE AMOR
Acordei e me preparei para o dia
mais difícil dentre todos que já vivi.
Nunca me senti tão próxima do L.. Tão vulnerável e dependente do seu
carinho, apoio e amor.
Em um momento que saiu,
deixando-me brevemente sozinha no quarto, eu me despedi da Helena. Meus lábios
tremiam e tinham gosto de lágrimas.
Na verdade, perdi as contas de
quantas vezes me despedi dela. Sinto que ainda despeço, todos os dias, da minha
filha querida.
Questionava internamente qual
seria a motivação para enfrentar todas as dores do parto, sem a recompensa de
ter a Helena viva nos braços. A sensação era de que choraria até o fim.
A I.
(enfermeira da equipe) chegou para acompanhar o início do procedimento. Pouco
depois de começar a correr o soro, iniciaram contrações espaçadas e ainda
indolores. Disse que já havia muitos receptores em meu
útero. E que isso era bom!
Foi então que comecei a receber
ondas de amor, as quais me fortaleceram para enfrentar cada segundo de dor.
Primeiro foi com a I.. Nós conversamos bastante. Questões
técnicas do que aconteceria. Questões da vida e da morte. Contou-me sobre a
despedida do seu avô com lágrimas nos olhos, desejando me confortar. Segurando
minhas mãos.
Lembro dela sugerir que me
deitasse para descansar, pois precisaria de muita energia para quando tudo
começasse de fato. Deitei-me de costas para ela. Chorei. Docemente, fez-me carinho.
Sem palavras. Só afeto e acolhimento.
Após o horário de almoço, a Dra. S. chegou para substituir a I. e permanecer comigo até o fim. Meu
conforto, segurança, e a segunda onda de amor.
Para mim, ela e o L. bastavam ao meu lado. Não queria
mais ninguém por perto. Precisava de silêncio pois o momento era solene.
Andava no corredor do Hospital
acompanhada do meu marido firme e afetuoso. O meu apoio de corpo e de alma... a
terceira onda de amor.
Quando, no final da tarde, as
contrações se intensificaram e ficaram doloridas, o L. chamou a M. (doula)
para nos ajudar. Então, uma quarta onda de amor reverberou no oceano do
nascimento-morte de Helena.
Todas as vezes que li relatos de
parto, as mulheres diziam não se lembrar de muitas coisas na fase ativa. De
tudo ficar confuso e dizerem coisas desconexas. Isso não aconteceu comigo.
Estava, a todo o momento, consciente e presente.
Fiquei muito tempo debaixo do
chuveiro porque era uma delícia a água quente nas costas. Foi especial quando o
L. decidiu entrar comigo e, sentada,
eu abracei sua perna. Eu o beijava e recebia seu carinho. A M. ofereceu suco, água e apagou as
luzes do banheiro... Quanto respeito e ternura.
O L. ficou todo o tempo ao meu lado. Lembro-me das suas mãos suaves
em meu rosto e dos seus beijos. Éramos um só no trabalho de parir Helena.
A Dra. S. recomendou que ele jantasse e,
durante esse momento, ficou comigo. Fez massagens e carinhos. Dizia-me, a cada
contração: “vai passar, vai passar... só mais um minutinho... vai passar”.
Recordo-me de falar que eu era muito corajosa.
O ritmo da respiração ancorava-me
nas contrações. Eu as deixava vir, silenciosamente, e as recebia de forma
plácida. Descobri que rejeitar a dor apenas a intensificava, então o segredo
era deixá-la fazer o seu percurso, como uma onda que vem e que vai.
Não é esse mesmo o movimento das
nossas vidas? Quando a dor vier, aceite-a. Depois de realizar o seu propósito,
partirá deixando um ar sereno em seu peito... Da mesma maneira que uma
contração vai embora e deixa a mulher inteira para a próxima, que virá ainda
mais forte.
Passei por duas experiências
durante o trabalho de parto que me marcaram bastante e têm ajudado a elaborar a
perda da minha filha.
A primeira foi visualizar a
Helena em meu útero. Foi como um flash, mas
consegui enxergá-la perfeitamente. Vi seus cabelos escuros, que depois beijei com
tanto carinho. Foi então que percebi o quanto estava plenamente conectada com
esse corpinho que se desenvolveu dentro de mim. Todas as conversas, mantras,
canções, orações, caminhadas e meditações tinham cumprido o seu papel.
Estávamos ligadas em uma relação plena de significado e de amor.
A segunda foi compreender que
havia feito a opção correta. Decidir pela cirurgia quando havia a possibilidade
do parto normal, seria contraditório com todo o caminho que já havíamos percorrido.
Mesmo sem vida, o corpo de Helena merecia ser parido. Seria a aceitação suprema da sua
breve existência.
Digo que admiti a sua morte durante o trabalho de parto. Algo que,
talvez, demorasse meses para conseguir. **
Hoje compreendo o quanto foi
importante para o L., também. Tão
participativo desde o início... Um pai tão amoroso e que dividiu comigo todos
os momentos, anseios e dúvidas. Que contribuiu para que a gestação fosse linda
e perfeita, e para que nos tornássemos uma família ainda mais unida do que
éramos anteriormente. Qual direito eu tinha de exclui-lo dessa vivência, pela
qual se preparou com tanta entrega e amor?
Ele foi incrível e maravilhoso.
Eu me apaixonei novamente por esse homem que renasceu no parto da filha. Jamais
alguém alcançará o que aconteceu entre nós desde então. Como eu te amo, L. ... Palavras são incapazes de
expressar minha gratidão, admiração e amor.
Apenas uma vez eu pedi pela
anestesia. Mas para isso precisaríamos ir ao Centro Cirúrgico, um ambiente que
não é acolhedor. Faltava pouco para chegar à dilatação necessária. A Dra. S. conversou com o médico
anestesista. Tudo seria preparado para quando chegasse o momento.
Em uma hora e meia atingi a
dilatação total. Lembro-me do sorriso de satisfação da minha médica e ainda do L. dizendo: “guerreira!”. Foi bom ouvir
isso. Foi bom ter chegado até ali.
Rapidamente fui trocada e
colocada na maca. Desligaram o soro e mantive o ritmo da respiração para a
serenidade possível do momento.
ROMPIMENTO E ENCONTRO
Um centro cirúrgico não é nada
agradável. Dá um frio no centro do peito.
Recebi certa solidariedade de pessoas anônimas que me
acompanharam até ali. Mas o alívio veio apenas quando chegaram todos: L., Dra. S., M. e a doce G.... Foi uma surpresa a G. estar conosco. E uma benção.
Depois da anestesia, conseguia
sentir o movimento das contrações sem qualquer dor. Preferi me deitar. Estava
tão cansada.
A Dra. S. me falava quando era o momento de fazer força. Era estranho
não sentir metade do corpo quando ele trabalhava de forma tão ativa.
Mas algo havia acontecido. A
nossa médica chamou o L., que estava
ao meu lado. Depois nos mostrou o formato da minha barriga... Disse não
acreditar que pudesse ser uma rutura uterina, mas não havia outra explicação. Precisaríamos
fazer a cirurgia. Helena não passaria pelo canal de parto.***
Eu estava entregue. Havia exigido tanto de mim até ali que suspirei num sentimento de total confiança na equipe e em Deus. Eu não poderia fazer mais nada.
A sala estava quente. Enquanto me
preparavam para a cirurgia, a G. se
colocou atrás de mim e, com as mãos repousadas sobre minha cabeça, convidou-nos
à oração. Em todo o momento eu me senti amparada por Deus. Rezamos “Pai Nosso”
e “Ave Maria”. Rogamos proteção do Pai e da Mãe.
Helena nasceu... Dra. S. chamou e mostrou “o nó” para o L.. Nó que interrompeu a troca entre mim e a minha filha, impossibilitando que chegasse viva para nós e que nos fez encontrar o mais nobre sentimento de amor e de fé.
A G. segurava Helena envolta em um lençol ou cobertor.
Trouxe-a até nós. Tão linda! Tão
salgadinha pelo líquido amniótico! Eu beijei seus negros cabelos e o L. a recebeu nos braços com muita
ternura.
Por um motivo que desconhecia,
decidiram me sedar. Então ouvi a mais bela declaração de amor do meu marido.
Nossas almas estavam nuas e unidas para sempre.
A DESPEDIDA
Quando acordei, ainda estava no
centro cirúrgico. O L. e a M. tinham saído.
A G. conversou comigo e disse estar tudo bem. Que tranquilidade foi
aquela dentro de mim diante de tudo o que aconteceu? Presença de anjos da
guarda é a única explicação possível.
Não fiquei sozinha nem por um
segundo.
No apartamento, eu me encontrei
com o L. e todos da equipe: Dra. S., G. e M. Era necessário
separar a roupinha da Helena para seu enterro. Seria a saída da maternidade que
a vovó lhe deu.
Trariam nossa filha para a
despedida.
Chegou num bercinho móvel. Tão
linda e amada! Sua boquinha parecia um coração, simbolizando seus beijos de
amor. Seu nariz, igualzinho ao do irmão. De boina e macacão de oncinha, foi
colocada perto de mim, e então disse a ela que agradecia tudo o que havia me
ensinado. Não pude levantar para pegá-la por causa da anestesia.
Beijei o seu nariz, o rosto, e
fiz carinho junto com seu pai. Finalmente estávamos juntos e nos conhecíamos.
Tantos meses de espera e cuidados... Encontrávamo-nos imersos em amor e união.
Faltava o H., que não poderia estar
conosco. Não pôde conhecer Helena fisicamente, mas foi o irmão mais carinhoso e
cuidadoso que ela poderia ter ao lado.
Todas as noites, H. pedia a Deus por sua proteção. Todos
os dias ele beijava minha barriga e se divertia a cada movimento impetuoso da
irmã.
Conversávamos sobre o que
faríamos juntos. Definitivamente isso permaneceria no etéreo.
Eu pedi que deixassem meu terço com
ela. Que bom ter lembrado de levá-lo ao Hospital e poder ficar com algo tão
simbólico e importante para mim. Meu desejo materno é de que Jesus e Nossa
Senhora se mantenham sempre junto a ela, e de que se lembre do meu amor.
Depois soubemos que foi a G. quem deu banho e trocou Helena.
Disse que o fez com todo o carinho e amor. Eu sei que fez! Gratidão por esse
gesto, G..
Enfim... Apesar do meu esforço e
doação, não seria possível a despedida final. Apenas familiares e amigos
íntimos estariam em seu breve velório e enterro.
A NOTÍCIA
Estava tão sensibilizada que, ao
minha mãe perguntar se ela e meu pai poderiam nos visitar, eu disse que não.
Seria difícil olhar para eles. Cairia num choro compulsivo.
Mas tinha o H.. Há dois dias não o víamos e estava ansioso porque havíamos dito
que Helena nasceria. Enfatizamos que algo estava errado e que não sabíamos o
que era, mas ele, na sua ingenuidade e otimismo infantil, não registrou a parte
ruim. Apenas que logo teria a irmã em seus braços.
Decidimos que o L. contaria tudo antes do H. me ver. Eu não teria coragem.
Disse-me que foi difícil. Que
nosso filho achou que ele estava brincando e depois chorou.
Quando me encontrou, estava
triste. Todos estávamos, mas apesar de tudo tínhamos um ao outro. Foi carinhoso
comigo, como sempre, e conversamos um pouquinho sobre o que aconteceu.
Por que nos esquecemos do que
realmente importa, imersos em nosso dia-a-dia cheio de compromissos?
Estar ao lado de quem se ama é o
tesouro mais precioso que alguém pode possuir.
CHEGANDO EM CASA
Fiquei três dias na casa dos meus
pais. Tive uma pequena lesão na bexiga e precisei utilizar sonda, o que
demandava alguns cuidados especiais.
Foi por esse motivo que me
sedaram. Identificaram a hemorragia que
precisava ser controlada. Dra. S. me
contou algumas horas depois da cirurgia que havia necessidade da sonda para a
cicatrização do órgão.
Mas ansiava pelo meu lar. O H. precisava retornar à rotina, já que
estava em seu período de aulas.
Não foi fácil.
A porta do quarto da Helena
estava fechada e não tive coragem de abri-la, o que fiz apenas no dia seguinte.
Aproveitei que meu filho estava na Escola, respirei fundo e entrei.
Chorei... Abri todas as gavetas e
o armário. Peguei as roupinhas tão cuidadosamente perfumadas e dobradas. Eu e o
L. nos abraçamos. Como era difícil
ver nosso sonho desmoronar tão rapidamente. Não parecia real.
Mas decidi que precisaríamos
desmontar tudo o mais breve possível. O quarto cuidadosamente preparado já não
era nossa realidade. Seria doloroso demais para todos, especialmente para o H., adiarmos o inevitável.
Poucos dias depois, no final de
semana, meus pais, irmão, madrinha e uma tia foram nos ajudar. Em algumas horas
o espaço da nossa filha se tornou um escritório.
O vazio era nosso companheiro.
Os móveis, que um dia foram do
irmão e estavam repaginados com flores, tecido salmão e bolinhas brancas
(contribuição especial da sua tia-avó), seriam retirados na semana seguinte
para venda.
Ainda que tenhamos uma menina no
futuro, eu e o L. concordamos que o
que foi da Helena não deve ser herdado pela irmã, exceto nosso carinho e amor.
CUIDANDO DE MIM
O L. foi meu cuidador e companheiro durante todo o pós-operatório.
Eu me sentia tão vulnerável. Por
isso entendo que nossas almas ficaram nuas com a experiência da morte da Helena
e com o que transcorreu após a rutura uterina.
Ele ficou com medo de me perder e
eu fiquei com medo de me separar dele e do meu filho. Diante dessa
possibilidade, tudo se reorganizou em sua real ordem de importância.
Em princípio eu queria ficar
sozinha, mas depois o distanciamento me incomodou. Decidi entrar em contato com
algumas pessoas que se mostravam presentes através de pequenas mensagens e
gestos.
Foram momentos de boas conversas em casa. Gente especial.
A morte é um assunto difícil de
lidar. São poucos que conseguem falar com você sem tentar diminuir a sua dor.
Mas tive ótimas companhias ao meu
lado nos dias que se seguiram a essa experiência tão dolorosa.
Recorri à minha terapeuta B., e também à médica homeopata (V.) que me acompanha desde criança.
A V. é importante para mim. Foi para ela que liguei antes de ir ao
Hospital, pedindo que me ajudasse a ter calma diante do silêncio do coração de
Helena. Foi a primeira pessoa a quem comuniquei o óbito da nossa filha. Senti o
impacto da notícia em seu coração, mesmo ao telefone.
Além disso, ajudou-nos com as
medicações no trabalho de parto e também no pós-operatório. Remédios que, ainda, tiraram-me do fundo do poço da alma.
Atualmente eu recorro a essas
duas grandes mulheres e profissionais quando as coisas não vão muito bem dentro
de mim.
Tenho muita gratidão por todas as
pessoas de almas bonitas que estão ao meu redor. Conheci gente maravilhosa
durante a gestação da Helena e depois da sua perda.
Sinto ser curativo compartilhar a
minha experiência.
O LUTO
Recebi o convite de falar sobre o
significado do meu luto em um livro a ser publicado no ano de 2016. Um projeto
da Fanpage “Do Luto à Luta”, de apoio à Perda Gestacional.
Combinei com a Larissa que esse
texto não estará disponível em meu Blog.
Quando houver o lançamento do
livro, poderão compreender o que mudou dentro de mim após essa experiência.
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10/01/2016
Depois de alguns meses, percebi certas lacunas em meu relato, que agora corrijo preservando o texto original.
No momento em que escrevi estava permeada de confusos sentimentos. Algumas coisas lembrei ou me foram esclarecidas depois:
* Na verdade, minha GO esclareceu que eu poderia esperar o corpo entrar em trabalho de parto sozinho. No entanto, eu disse que não aguentaria esperar. Que seria muito difícil para mim, por isso optei pela indução do trabalho de parto.
** A cada contração, eu mentalizava a seguinte frase: "eu abro o meu corpo para te receber em meus braços, filha.." Foi isso o que me fortaleceu. E foi então que tive o insight da aceitação da morte da Helena.
*** Tratou-se de uma deiscência de cicatriz, pois não apresentei hemorragia.
Querida Carol, suas palavras são puro amor, sabedoria e entrega! Não canso de repetir a mim mesma e a vcs minha certeza de que seres especiais recebem provações especiais. O amor é o único caminho. E vcs o trilham brilhantemente! Toda minha admiração, respeito, carinho... Contem comigo sempre, carrego vcs e a Helena dentro de mim. Gratidão por tudo que me ensinam. Luz e calor para enfrentar as curvas dessa existência. Amor para seguir. Um beijo enorme no coração.
ResponderExcluirGabi
Gabi, tenho certeza que tudo tem sido um grande aprendizado sobre a essência do amor. Não à toa, unimo-nos para vivenciar essa experiência de vida e de morte. Há grande beleza em tudo, apesar da dor. Também não me canso de repetir: gratidão por tudo! Um grande beijo e abraço!
ExcluirCarol algumas coisas me identifica no teu texto,somos fortes,guerreiras.
ResponderExcluirNão é fácil descobrir que não há mais batimentos,no meu caso ñ sei o q causou,tive um parto normal,após 13 horas da entrada na maternidade. Maria foi minha primeira gestação,espero logo superar tudo isto ,jamais vou esquecer od ia 29 de setembro.
Oi Andréia! Sinto muito por seu bebê e pelo quanto você se doou à gestação e ao parto. Sim, somos guerreiras e doadoras do amor que nutrimos por nossos filhos. É muito recente para você. Recomendo apenas que recorra aos grupos de perda gestacional, ajuda espiritual (aquela que esteja de acordo com suas crenças) e também ajuda terapêutica se for o caso. Hoje estou razoavelmente bem, mas há dias que são extremamente difíceis. Um abraço afetuoso, muita paz e luz para você e seu bebê!
ExcluirMe emocionei muito lendo seu relato...quanto amor!!! O amor e tudo que temos...Um beijo no seu coração e no da Helena!!! Gratidão!!!
ResponderExcluirIaçanã... De tudo, o que ficou foi o amor. Um grande amor. Inexprimível em sua potência e infinitude. Um beijo no seu coração e no do querido Samuel! <3
ExcluirQuerida Carol, impressionei-me com a sua serenidade durante os acontecimentos e cada palavra sutil escolhida para relatar aqui sua dor. Receba meu abraço de admiração por tanta força, coragem e sabedoria <3
ResponderExcluirAngela, muito obrigada pelas palavras! Um abraço afetuoso a você também! <3
ExcluirCarol, emocionada e tocada com seu relato! Com que delicadeza você descreve os sentimentos! A dor é grande demais mesmo, a gente acha que não vai conseguir suportar...! Você é uma pessoa iluminada e Helena é agora um anjo da guarda de sua família, como acredito que seja o meu Vítor, que nos deixou pelo mesmo motivo... que Deus abençoe você e sua família! Muito obrigada por compartilhar conosco este lindo texto! Um abraço enorme, com muito amor! Cito um trecho da carta de São Paulo aos Coríntios, que tenho anotado num papel dentro da minha bolsa e leio quando estou muito triste: “O amor é paciente o amor é bondoso... Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta... Assim permanecem estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o AMOR”
ResponderExcluirQuerida, certamente o maior de todos os sentimentos é o AMOR... Desejo com toda a força da minha alma que você e o seu querido Vítor sejam muito abençoados. Muita paz e luz para vocês... Um beijo no seu coração, e muito obrigada pelas lindas palavras!
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