Aconteceu assim...

Decidi escrever sobre o que aconteceu.

É apenas um relato.

Peço abertura em seu coração para ler tudo sem qualquer tipo de julgamento, seja bom ou ruim.

Aqui escreve uma mãe com o coração ferido.

A minha experiência de perda gestacional é mais uma dentre várias que já li.

Não é melhor, nem pior. As decisões não foram as mais certas, nem as mais erradas. Apenas aquelas que nos cabiam de acordo com a nossa história.

Do outro lado do computador há um coração que pulsa, assim como o seu.

Sou solidária a todas as mães, pais, familiares e profissionais que passam pela mesma dor que nós.

Um abraço fraterno,

Carol

23/10/2015

A MORTE

Já li tantas mensagens de mães que perderam seus bebês. Às vezes é difícil acreditar que essa seja a minha realidade, mas acredito que talvez eu possa ajudar outras famílias compartilhando o meu relato. Se você está passando por isso, saiba que não está só!

E que tem todo o direito de sofrer. Apenas não se culpe pelo que aconteceu. Se está lendo esse texto, é porque não queria que seu bebê morresse.

A gestação da Helena foi perfeita. Iluminada. Cheia de amor.

Amor da mãe, do pai, e do irmão de 7 anos que aguardava ansioso a sua chegada.

Contratamos profissionais que realizassem parto humanizado, para que Helena fosse recebida nesse mundo com bastante respeito. Para que o nosso momento de encontro fosse preservado de intervenções desnecessárias. E para que pudéssemos viver a plenitude do seu nascimento, o que não foi possível com nosso primeiro filho (H.).

Participamos de encontros de gestantes. As consultas médicas duravam mais de uma hora, sempre com a participação do meu marido (L.), e os exames eram prontamente realizados por mim.

Caminhei, meditei, fiz hidroginástica. Continuei minha terapia, alimentei-me da forma mais saudável e... Fui extremamente feliz durante meus nove meses de gestação.

Nós três estávamos profundamente gratos pela bênção de termos uma menininha entre nós! Helena foi muito amada e querida desde o início.

Às 39 semanas de gestação (podendo também ser 38, pela DUM) fomos à consulta de rotina semanal.  Havia ansiedade, pois sentíamos que a chegada estava próxima.

Foi assim que nossa obstetra (Dra. S.) nos recebeu: “Acordei sentindo que ela vem essa semana!”. Brinquei cutucando o bumbum da Helena e rimos bastante dela se mexendo. Ouvimos seu coração. Voltamos felizes para casa!

Dormi um pouco à tarde e acordei com fome. Ela se mexia bastante quando meu estômago roncava. “Ri por dentro”, refletindo que certamente ouvia bem já que estava tão incomodada com os barulhos!

Fiz um lanche, ainda sentindo se mexer...

Essa é a última recordação que tenho dos seus movimentos.

Cuidei do jantar, do meu filho, fiquei com o L.. Tomei banho para dormir e, ao me deitar, o “silêncio”.

A G. (enfermeira da equipe) foi até nossa casa com o sonar e não conseguimos ouvir o coração da Helena. Fomos ao Hospital e o óbito foi confirmado por exame e ultrassom.

Não chorei quando o médico, sensibilizado, disse que infelizmente Helena não estava viva. E que pelo exame o líquido amniótico, placenta, tamanho e peso do bebê estavam perfeitos para a idade gestacional.

Como consegui não chorar, arrancar os cabelos ou gritar é um mistério para mim. Dispensei até a cadeira de rodas que uma assistente me ofereceu. Creio do fundo da minha alma que tinham muitos anjos me envolvendo em amor e serenidade.

As perguntas que me fazia: como terei minha filha morta? Como enfrentarei os medos de uma cirurgia se não havia nem a recompensa de pegá-la viva nos braços? Um parto normal, para mim, estava fora de cogitação.

A DECISÃO PELO TRABALHO DE PARTO

Eu e meu marido voltamos para casa junto com a G.. Já era madrugada do dia 11/08. Curiosamente a data de nascimento do meu irmão caçula, que morreu em um acidente fatal de moto no dia 08/03/2013. Apenas cito essa coincidência porque intensificou um pouquinho mais a minha dor. Uma data duplamente marcada.

Já em casa, a Dra. S. chegou e nos abraçou. A M. ( nossa doula) foi quem ficou com o H. que dormia alheio à morte da irmã.

Todos tristes pelo inacreditável. O que poderia ter ocorrido, quando tudo estava perfeito há menos de 24 horas atrás?

Nossa médica esclareceu que, se eu desejasse, poderíamos induzir o trabalho de parto. Para eu poder pegar minha filha no colo e elaborar melhor a perda. Poderia ir ao seu enterro, já que não precisaria ficar em observação pós-cirúrgica. Nós nos despediríamos dela da maneira que todos mereciam. O parto natural estava descartado pelo óbito*, mas achei uma boa opção induzir e utilizar a analgesia quando as dores se intensificassem.

Uma das certezas que tinha é que poderia confiar totalmente na equipe que havíamos contratado. No Plano de Parto deixei claro que me colocava nas mãos dessas profissionais incríveis que encontramos. E eu estava certa...

Difícil passar a noite em claro com fantasmas povoando a minha mente.

Foi triste deixarmos o H. na escola e ele, todo contente, voltar para o carro porque havia esquecido de dar o beijinho de despedida na irmã. O último beijo dele na barriga.

Não contaríamos nada até tudo ter passado.

Fomos à casa dos meus pais. Ficaram extremamente tristes. Minha mãe chorou e me abraçou. Mas já iniciaram, junto com meu irmão, as questões práticas que deveriam ser resolvidas: enterro, cartório, e também comunicar às pessoas mais próximas.

Ao voltar para casa, tomei banho e as lágrimas vieram. O último banho com Helena. Cantei a nossa canção... Minha querida filha, tão amada e acarinhada, já tinha ido embora mas permanecia em meu corpo.

Ouvi o L. chorar. Havia silêncio e dor entre nós. Não tinha consolo, mas estávamos juntos.

Ao sair, lembrei de pegar o meu terço. Um alento para momentos tão difíceis.

Passamos no consultório da minha terapeuta, uma pessoa especial que acompanhou toda a gravidez. Lembro-me do L. falar, quando chamado na sala: “Ela era minha princesinha...”. A voz embargada de amor.

Internamos à noite.

Já tínhamos programado induzir o trabalho de parto mas eu estava muito cansada pela noite em claro, e todas as emoções que havíamos sentido. Decidimos dormir e começar o procedimento pela manhã.

Rezei o terço... Às vezes eu me esquecia das orações. Pedi força e serenidade. Finalmente consegui dormir um sono pesado, mas restaurador.

ONDAS DE DOR E DE AMOR

Acordei e me preparei para o dia mais difícil dentre todos que já vivi.

Nunca me senti tão próxima do L.. Tão vulnerável e dependente do seu carinho, apoio e amor.

Em um momento que saiu, deixando-me brevemente sozinha no quarto, eu me despedi da Helena. Meus lábios tremiam e tinham gosto de lágrimas.

Na verdade, perdi as contas de quantas vezes me despedi dela. Sinto que ainda despeço, todos os dias, da minha filha querida.

Questionava internamente qual seria a motivação para enfrentar todas as dores do parto, sem a recompensa de ter a Helena viva nos braços. A sensação era de que choraria até o fim.

A I. (enfermeira da equipe) chegou para acompanhar o início do procedimento. Pouco depois de começar a correr o soro, iniciaram contrações espaçadas e ainda indolores. Disse que já havia muitos receptores em meu útero. E que isso era bom!

Foi então que comecei a receber ondas de amor, as quais me fortaleceram para enfrentar cada segundo de dor.

Primeiro foi com a I.. Nós conversamos bastante. Questões técnicas do que aconteceria. Questões da vida e da morte. Contou-me sobre a despedida do seu avô com lágrimas nos olhos, desejando me confortar. Segurando minhas mãos.

Lembro dela sugerir que me deitasse para descansar, pois precisaria de muita energia para quando tudo começasse de fato. Deitei-me de costas para ela. Chorei. Docemente, fez-me carinho. Sem palavras. Só afeto e acolhimento.

Após o horário de almoço, a Dra. S. chegou para substituir a I. e permanecer comigo até o fim. Meu conforto, segurança, e a segunda onda de amor.

Para mim, ela e o L. bastavam ao meu lado. Não queria mais ninguém por perto. Precisava de silêncio pois o momento era solene.

Andava no corredor do Hospital acompanhada do meu marido firme e afetuoso. O meu apoio de corpo e de alma... a terceira onda de amor.

Quando, no final da tarde, as contrações se intensificaram e ficaram doloridas, o L. chamou a M. (doula) para nos ajudar. Então, uma quarta onda de amor reverberou no oceano do nascimento-morte de Helena.

Todas as vezes que li relatos de parto, as mulheres diziam não se lembrar de muitas coisas na fase ativa. De tudo ficar confuso e dizerem coisas desconexas. Isso não aconteceu comigo. Estava, a todo o momento, consciente e presente.

Fiquei muito tempo debaixo do chuveiro porque era uma delícia a água quente nas costas. Foi especial quando o L. decidiu entrar comigo e, sentada, eu abracei sua perna. Eu o beijava e recebia seu carinho. A M. ofereceu suco, água e apagou as luzes do banheiro... Quanto respeito e ternura.

O L. ficou todo o tempo ao meu lado. Lembro-me das suas mãos suaves em meu rosto e dos seus beijos. Éramos um só no trabalho de parir Helena. 

A Dra. S. recomendou que ele jantasse e, durante esse momento, ficou comigo. Fez massagens e carinhos. Dizia-me, a cada contração: “vai passar, vai passar... só mais um minutinho... vai passar”. Recordo-me de falar que eu era muito corajosa.

O ritmo da respiração ancorava-me nas contrações. Eu as deixava vir, silenciosamente, e as recebia de forma plácida. Descobri que rejeitar a dor apenas a intensificava, então o segredo era deixá-la fazer o seu percurso, como uma onda que vem e que vai.

Não é esse mesmo o movimento das nossas vidas? Quando a dor vier, aceite-a. Depois de realizar o seu propósito, partirá deixando um ar sereno em seu peito... Da mesma maneira que uma contração vai embora e deixa a mulher inteira para a próxima, que virá ainda mais forte.

Passei por duas experiências durante o trabalho de parto que me marcaram bastante e têm ajudado a elaborar a perda da minha filha.

A primeira foi visualizar a Helena em meu útero. Foi como um flash, mas consegui enxergá-la perfeitamente. Vi seus cabelos escuros, que depois beijei com tanto carinho. Foi então que percebi o quanto estava plenamente conectada com esse corpinho que se desenvolveu dentro de mim. Todas as conversas, mantras, canções, orações, caminhadas e meditações tinham cumprido o seu papel. Estávamos ligadas em uma relação plena de significado e de amor.

A segunda foi compreender que havia feito a opção correta. Decidir pela cirurgia quando havia a possibilidade do parto normal, seria contraditório com todo o caminho que já havíamos percorrido. Mesmo sem vida, o corpo de Helena merecia ser parido. Seria a aceitação suprema da sua breve existência. 

Digo que admiti a sua morte durante o trabalho de parto. Algo que, talvez, demorasse meses para conseguir. **

Hoje compreendo o quanto foi importante para o L., também. Tão participativo desde o início... Um pai tão amoroso e que dividiu comigo todos os momentos, anseios e dúvidas. Que contribuiu para que a gestação fosse linda e perfeita, e para que nos tornássemos uma família ainda mais unida do que éramos anteriormente. Qual direito eu tinha de exclui-lo dessa vivência, pela qual se preparou com tanta entrega e amor?

Ele foi incrível e maravilhoso. Eu me apaixonei novamente por esse homem que renasceu no parto da filha. Jamais alguém alcançará o que aconteceu entre nós desde então. Como eu te amo, L. ... Palavras são incapazes de expressar minha gratidão, admiração e amor.

Apenas uma vez eu pedi pela anestesia. Mas para isso precisaríamos ir ao Centro Cirúrgico, um ambiente que não é acolhedor. Faltava pouco para chegar à dilatação necessária. A Dra. S. conversou com o médico anestesista. Tudo seria preparado para quando chegasse o momento.

Em uma hora e meia atingi a dilatação total. Lembro-me do sorriso de satisfação da minha médica e ainda do L. dizendo: “guerreira!”. Foi bom ouvir isso. Foi bom ter chegado até ali.

Rapidamente fui trocada e colocada na maca. Desligaram o soro e mantive o ritmo da respiração para a serenidade possível do momento.

ROMPIMENTO E ENCONTRO

Um centro cirúrgico não é nada agradável. Dá um frio no centro do peito.

Recebi certa solidariedade de pessoas anônimas que me acompanharam até ali. Mas o alívio veio apenas quando chegaram todos: L., Dra. S., M. e a doce G.... Foi uma surpresa a G. estar conosco. E uma benção.

Depois da anestesia, conseguia sentir o movimento das contrações sem qualquer dor. Preferi me deitar. Estava tão cansada.

A Dra. S. me falava quando era o momento de fazer força. Era estranho não sentir metade do corpo quando ele trabalhava de forma tão ativa.

Mas algo havia acontecido. A nossa médica chamou o L., que estava ao meu lado. Depois nos mostrou o formato da minha barriga... Disse não acreditar que pudesse ser uma rutura uterina, mas não havia outra explicação. Precisaríamos fazer a cirurgia. Helena não passaria pelo canal de parto.***

Eu estava entregue. Havia exigido tanto de mim até ali que suspirei num sentimento de total confiança na equipe e em Deus. Eu não poderia fazer mais nada.

A sala estava quente. Enquanto me preparavam para a cirurgia, a G. se colocou atrás de mim e, com as mãos repousadas sobre minha cabeça, convidou-nos à oração. Em todo o momento eu me senti amparada por Deus. Rezamos “Pai Nosso” e “Ave Maria”. Rogamos proteção do Pai e da Mãe.

Helena nasceu... Dra. S. chamou e mostrou “o nó” para o L.. Nó que interrompeu a troca entre mim e a minha filha, impossibilitando que chegasse viva para nós e que nos fez encontrar o mais nobre sentimento de amor e de fé.

A G. segurava Helena envolta em um lençol ou cobertor.

Trouxe-a até nós. Tão linda! Tão salgadinha pelo líquido amniótico! Eu beijei seus negros cabelos e o L. a recebeu nos braços com muita ternura.

Por um motivo que desconhecia, decidiram me sedar. Então ouvi a mais bela declaração de amor do meu marido. Nossas almas estavam nuas e unidas para sempre.

A DESPEDIDA

Quando acordei, ainda estava no centro cirúrgico. O L. e a M. tinham saído.

A G. conversou comigo e disse estar tudo bem. Que tranquilidade foi aquela dentro de mim diante de tudo o que aconteceu? Presença de anjos da guarda é a única explicação possível.

Não fiquei sozinha nem por um segundo.

No apartamento, eu me encontrei com o L. e todos da equipe: Dra. S., G. e M. Era necessário separar a roupinha da Helena para seu enterro. Seria a saída da maternidade que a vovó lhe deu.

Trariam nossa filha para a despedida.

Chegou num bercinho móvel. Tão linda e amada! Sua boquinha parecia um coração, simbolizando seus beijos de amor. Seu nariz, igualzinho ao do irmão. De boina e macacão de oncinha, foi colocada perto de mim, e então disse a ela que agradecia tudo o que havia me ensinado. Não pude levantar para pegá-la por causa da anestesia.

Beijei o seu nariz, o rosto, e fiz carinho junto com seu pai. Finalmente estávamos juntos e nos conhecíamos. Tantos meses de espera e cuidados... Encontrávamo-nos imersos em amor e união. Faltava o H., que não poderia estar conosco. Não pôde conhecer Helena fisicamente, mas foi o irmão mais carinhoso e cuidadoso que ela poderia ter ao lado.

Todas as noites, H. pedia a Deus por sua proteção. Todos os dias ele beijava minha barriga e se divertia a cada movimento impetuoso da irmã.

Conversávamos sobre o que faríamos juntos. Definitivamente isso permaneceria no etéreo.

Eu pedi que deixassem meu terço com ela. Que bom ter lembrado de levá-lo ao Hospital e poder ficar com algo tão simbólico e importante para mim. Meu desejo materno é de que Jesus e Nossa Senhora se mantenham sempre junto a ela, e de que se lembre do meu amor.

Depois soubemos que foi a G. quem deu banho e trocou Helena. Disse que o fez com todo o carinho e amor. Eu sei que fez! Gratidão por esse gesto, G..

Enfim... Apesar do meu esforço e doação, não seria possível a despedida final. Apenas familiares e amigos íntimos estariam em seu breve velório e enterro.

A NOTÍCIA

Estava tão sensibilizada que, ao minha mãe perguntar se ela e meu pai poderiam nos visitar, eu disse que não. Seria difícil olhar para eles. Cairia num choro compulsivo.

Mas tinha o H.. Há dois dias não o víamos e estava ansioso porque havíamos dito que Helena nasceria. Enfatizamos que algo estava errado e que não sabíamos o que era, mas ele, na sua ingenuidade e otimismo infantil, não registrou a parte ruim. Apenas que logo teria a irmã em seus braços.

Decidimos que o L. contaria tudo antes do H. me ver. Eu não teria coragem.

Disse-me que foi difícil. Que nosso filho achou que ele estava brincando e depois chorou.

Quando me encontrou, estava triste. Todos estávamos, mas apesar de tudo tínhamos um ao outro. Foi carinhoso comigo, como sempre, e conversamos um pouquinho sobre o que aconteceu.

Por que nos esquecemos do que realmente importa, imersos em nosso dia-a-dia cheio de compromissos?

Estar ao lado de quem se ama é o tesouro mais precioso que alguém pode possuir.

CHEGANDO EM CASA

Fiquei três dias na casa dos meus pais. Tive uma pequena lesão na bexiga e precisei utilizar sonda, o que demandava alguns cuidados especiais.

Foi por esse motivo que me sedaram.  Identificaram a hemorragia que precisava ser controlada. Dra. S. me contou algumas horas depois da cirurgia que havia necessidade da sonda para a cicatrização do órgão.

Mas ansiava pelo meu lar. O H. precisava retornar à rotina, já que estava em seu período de aulas.

Não foi fácil.

A porta do quarto da Helena estava fechada e não tive coragem de abri-la, o que fiz apenas no dia seguinte. Aproveitei que meu filho estava na Escola, respirei fundo e entrei.

Chorei... Abri todas as gavetas e o armário. Peguei as roupinhas tão cuidadosamente perfumadas e dobradas. Eu e o L. nos abraçamos. Como era difícil ver nosso sonho desmoronar tão rapidamente. Não parecia real.

Mas decidi que precisaríamos desmontar tudo o mais breve possível. O quarto cuidadosamente preparado já não era nossa realidade. Seria doloroso demais para todos, especialmente para o H., adiarmos o inevitável.

Poucos dias depois, no final de semana, meus pais, irmão, madrinha e uma tia foram nos ajudar. Em algumas horas o espaço da nossa filha se tornou um escritório.

O vazio era nosso companheiro.

Os móveis, que um dia foram do irmão e estavam repaginados com flores, tecido salmão e bolinhas brancas (contribuição especial da sua tia-avó), seriam retirados na semana seguinte para venda.

Ainda que tenhamos uma menina no futuro, eu e o L. concordamos que o que foi da Helena não deve ser herdado pela irmã, exceto nosso carinho e amor.

CUIDANDO DE MIM

O L. foi meu cuidador e companheiro durante todo o pós-operatório.

Eu me sentia tão vulnerável. Por isso entendo que nossas almas ficaram nuas com a experiência da morte da Helena e com o que transcorreu após a rutura uterina.

Ele ficou com medo de me perder e eu fiquei com medo de me separar dele e do meu filho. Diante dessa possibilidade, tudo se reorganizou em sua real ordem de importância.

Em princípio eu queria ficar sozinha, mas depois o distanciamento me incomodou. Decidi entrar em contato com algumas pessoas que se mostravam presentes através de pequenas mensagens e gestos.

Foram momentos de boas conversas em casa. Gente especial.

A morte é um assunto difícil de lidar. São poucos que conseguem falar com você sem tentar diminuir a sua dor.

Mas tive ótimas companhias ao meu lado nos dias que se seguiram a essa experiência tão dolorosa.

Recorri à minha terapeuta B., e também à médica homeopata (V.) que me acompanha desde criança.

A V. é importante para mim. Foi para ela que liguei antes de ir ao Hospital, pedindo que me ajudasse a ter calma diante do silêncio do coração de Helena. Foi a primeira pessoa a quem comuniquei o óbito da nossa filha. Senti o impacto da notícia em seu coração, mesmo ao telefone.

Além disso, ajudou-nos com as medicações no trabalho de parto e também no pós-operatório. Remédios que, ainda, tiraram-me do fundo do poço da alma.

Atualmente eu recorro a essas duas grandes mulheres e profissionais quando as coisas não vão muito bem dentro de mim.

Tenho muita gratidão por todas as pessoas de almas bonitas que estão ao meu redor. Conheci gente maravilhosa durante a gestação da Helena e depois da sua perda.

Sinto ser curativo compartilhar a minha experiência.

O LUTO

Recebi o convite de falar sobre o significado do meu luto em um livro a ser publicado no ano de 2016. Um projeto da Fanpage “Do Luto à Luta”, de apoio à Perda Gestacional.

Combinei com a Larissa que esse texto não estará disponível em meu Blog.

Quando houver o lançamento do livro, poderão compreender o que mudou dentro de mim após essa experiência.

Por enquanto, continuarei escrevendo e compartilhando aqui os nossos caminhos e as memórias da Helena.


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10/01/2016

Depois de alguns meses, percebi certas lacunas em meu relato, que agora corrijo preservando o texto original.

No momento em que escrevi estava permeada de confusos sentimentos. Algumas coisas lembrei ou me foram esclarecidas depois:

* Na verdade, minha GO esclareceu que eu poderia esperar o corpo entrar em trabalho de parto sozinho. No entanto, eu disse que não aguentaria esperar. Que seria muito difícil para mim, por isso optei pela indução do trabalho de parto.

** A cada contração, eu mentalizava a seguinte frase: "eu abro o meu corpo para te receber em meus braços, filha.." Foi isso o que me fortaleceu. E foi então que tive o insight da aceitação da morte da Helena.

*** Tratou-se de uma deiscência de cicatriz, pois não apresentei hemorragia. 

10 comentários:

  1. Querida Carol, suas palavras são puro amor, sabedoria e entrega! Não canso de repetir a mim mesma e a vcs minha certeza de que seres especiais recebem provações especiais. O amor é o único caminho. E vcs o trilham brilhantemente! Toda minha admiração, respeito, carinho... Contem comigo sempre, carrego vcs e a Helena dentro de mim. Gratidão por tudo que me ensinam. Luz e calor para enfrentar as curvas dessa existência. Amor para seguir. Um beijo enorme no coração.
    Gabi

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    1. Gabi, tenho certeza que tudo tem sido um grande aprendizado sobre a essência do amor. Não à toa, unimo-nos para vivenciar essa experiência de vida e de morte. Há grande beleza em tudo, apesar da dor. Também não me canso de repetir: gratidão por tudo! Um grande beijo e abraço!

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  2. Carol algumas coisas me identifica no teu texto,somos fortes,guerreiras.
    Não é fácil descobrir que não há mais batimentos,no meu caso ñ sei o q causou,tive um parto normal,após 13 horas da entrada na maternidade. Maria foi minha primeira gestação,espero logo superar tudo isto ,jamais vou esquecer od ia 29 de setembro.

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    1. Oi Andréia! Sinto muito por seu bebê e pelo quanto você se doou à gestação e ao parto. Sim, somos guerreiras e doadoras do amor que nutrimos por nossos filhos. É muito recente para você. Recomendo apenas que recorra aos grupos de perda gestacional, ajuda espiritual (aquela que esteja de acordo com suas crenças) e também ajuda terapêutica se for o caso. Hoje estou razoavelmente bem, mas há dias que são extremamente difíceis. Um abraço afetuoso, muita paz e luz para você e seu bebê!

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  3. Me emocionei muito lendo seu relato...quanto amor!!! O amor e tudo que temos...Um beijo no seu coração e no da Helena!!! Gratidão!!!

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    1. Iaçanã... De tudo, o que ficou foi o amor. Um grande amor. Inexprimível em sua potência e infinitude. Um beijo no seu coração e no do querido Samuel! <3

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  4. Querida Carol, impressionei-me com a sua serenidade durante os acontecimentos e cada palavra sutil escolhida para relatar aqui sua dor. Receba meu abraço de admiração por tanta força, coragem e sabedoria <3

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    1. Angela, muito obrigada pelas palavras! Um abraço afetuoso a você também! <3

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  5. Carol, emocionada e tocada com seu relato! Com que delicadeza você descreve os sentimentos! A dor é grande demais mesmo, a gente acha que não vai conseguir suportar...! Você é uma pessoa iluminada e Helena é agora um anjo da guarda de sua família, como acredito que seja o meu Vítor, que nos deixou pelo mesmo motivo... que Deus abençoe você e sua família! Muito obrigada por compartilhar conosco este lindo texto! Um abraço enorme, com muito amor! Cito um trecho da carta de São Paulo aos Coríntios, que tenho anotado num papel dentro da minha bolsa e leio quando estou muito triste: “O amor é paciente o amor é bondoso... Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta... Assim permanecem estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o AMOR”

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    1. Querida, certamente o maior de todos os sentimentos é o AMOR... Desejo com toda a força da minha alma que você e o seu querido Vítor sejam muito abençoados. Muita paz e luz para vocês... Um beijo no seu coração, e muito obrigada pelas lindas palavras!

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